jueves, 24 de febrero de 2011

A invasão chinesa nos garimpos do Peru

Maria Emília Coelho Feb 22, 2011

Publicado por Eco AMAZONIA:


Uma foto postada numa lista de discussão na internet fez com que o Ministro de Meio Ambiente do Peru entrasse em contato comigo para pedir informações. Não era uma imagem qualquer. Uma enorme draga de propriedade de chineses estava em operação nos garimpos de Madre de Dios, onde há um ano o governo tentou incentivar que mineradores informais regularizassem suas atividades. A minha foto surpreendeu o ministro. Poucos dias depois de tê-la visto, uma verdadeira operação de guerra, envolvendo mais de 1.500 soldados da Marinha, foi organizada em Madre de Dios e destruiu todos os equipamentos dos chineses.

Assim que tomou conhecimento das dragas de grande capacidade que extraíam ouro nos rios de Madre de Dios, o ministro Antonio Brack declarou, em entrevista exclusiva, que “a situação cada dia se torna mais incontrolável, o que requer apoio e ajuda de várias frentes para solucioná-la definitivamente. É um processo de médio e longo prazo, e que deve ser constante. Mas vale recordar que em outros países foram usadas as Forças Armadas, ou seja, o Exército, para freá-la”, disse o ministro. Dito e feito. A ação aconteceu logo após a promulgação, no dia 18 de fevereiro, de um decreto de urgência do Executivo peruano que permite o controle da mineração informal pelas Forças Armadas e a Polícia Nacional.

Na noite do dia 20 de fevereiro, recebi um email do assessor do ministro Brack, dizendo: “Não sei você acompanhou as últimas notícias. Mas muito obrigado por tudo, acho que sua foto da draga ajudou muito a se tomarem decisões no Conselho de Ministros. Finalmente se realizam ações concretas”.

Como tudo começou

A foto que mobilizou o governo peruano numa ação enérgica contra os garimpeiros chineses foi um dos resultados de uma viagem que costumo fazer para a região de Madre de Dios. Mais uma vez, tinha sido incumbida de levar jornalistas estrangeiros às áreas de extração de ouro ilegal do entorno da rodovia Interoceânica Sul. Para a equipe da televisão sueca, a viagem era a chance de retratar pela primeira vez a situação alarmante desta parte da floresta amazônica. Para mim, a oportunidade de voltar aos garimpos do Sul do Peru, um ano após a promulgação do decreto de urgência que visa formalizar a atividade aurífera no departamento de Madre de Dios.

Na manhã de 31 de janeiro deste ano, estávamos no escritório da Federação Nativa do Rio Madre de Dios e Afluentes (Fenamad), na capital de Puerto Maldonado, à espera da professora e líder indígena haramkbut Márcia Tije. O plano era viajarmos até a sua comunidade para que ela pudesse explicar a conflituosa relação entre nativos e garimpeiros que chegam à região em busca de ouro há muitas décadas.

Nas tentativas dos governos em formalizar a atividade no departamento ao longo dos anos, produziu-se uma situação complexa: a sobreposição de concessões minerais em terras indígenas. Assentamentos ilegais também sempre ultrapassaram as fronteiras dos territórios demarcados para os índios. Os nativos ora enfrentam os invasores, ora se associam a eles.

Márcia chegou à Fenamad e disse que não nos acompanharia mais porque tinha que se reunir com a assessoria legal para saber como proceder juridicamente na mais nova invasão ocorrida na terra do seu povo. Há dois meses, garimpeiros vindos da China começaram a construir duas milionárias dragas para obtenção do valioso metal sem autorização da maioria dos membros da comunidade. “Meu filho vai agora para vocês verem com seus próprios olhos e gravarem. Acabo a reunião e os alcanço mais tarde”.

Desastre, ameaça, e uma história escondida

Partimos rumo à Comunidade Nativa Arazaire, a 163 quilômetros de Puerto Maldonado. No caminho, os acampamentos garimpeiros que se formaram à beira da estrada durante a obra de asfaltamento da Interoceânica Sul, iniciada em 2006, foram filmadas primeiro da janela do carro. Tínhamos que decidir o lugar estratégico onde pararíamos para tentar entrevistas. A chuva também não parava.

Nos KMs 98, 100, 102, cenário de abandono. Barracas à base de lona e paus, que hospedavam o comércio de insumos para mineração, cantinas e prostíbulos, foram deixadas para trás. O ouro acabou, sobrou o deserto. O movimento agora é nas margens dos KMs 108, 110, e principalmente no KM 115, onde os garimpeiros ilegais entram de moto por uma trilha de uma hora até chegar à bacia do Rio Malinowski, na zona de amortecimento da Reserva Nacional Tambopata e do Parque Nacional Bahuaja Sonene.“

Os chineses também estão tirando ouro aí”, conta Duberli Araoz Tije, o filho de 23 anos da professora Márcia. Na Comunidade Nativa Kotzimba, formada por indígenas e colonos, o presidente se associou aos cidadãos chinenes no negócio ilegal instalado bem próximo dos limites das duas áreas naturais protegidas - uma das zonas com maior biodiversidade do Amazônia.

Quando acabou a tempestade, paramos no KM 108. Duberli preferiu não descer. Como é local, ficou receoso em acompanhar nossa equipe de reportagem e depois sofrer algum tipo de retaliação. Apesar do clima tenso, conseguimos depoimentos e imagens. Perguntei ao repórter Lars Moberg sobre suas impressões da situação. “Um desastre para o meio ambiente do Peru. Uma verdadeira ameaça aos povos indígenas de Madre de Dios. Uma história ainda escondida”.

Los chinos em Arazaire

“Olhem, as retroescavadeiras estão entrando!”, apontou o jovem Tije, enquanto conversávamos na manhã do dia seguinte, e, finalmente, em Arazaire. Os suecos correram para capturar a imagem. Eu continuei escutando a história. “Invadiram nossa casa comunal, e armaram um acampamento próximo ao rio Inambari, onde estão trabalhando”, explicou Márcia, convocando toda sua família para seguirmos a trilha ao encontro dos chineses.

Vinte minutos de caminhada foram suficientes para vermos e gravarmos a tragédia ambiental anunciada. Desde fevereiro de 2010, o decreto de urgência 02-2010 proíbe a operação das dragas, que aspiram o fundo dos rios para obtenção do ouro. Mas duas embarcações altamente mecanizadas estão sendo construídas na comunidade a todo o vapor.

Nossa tentativa de comunicação com os chineses não teve sucesso. Eles não falam castelhano. Mas os trabalhadores peruanos contratados por eles disseram que cada uma das dragas custa um milhão de dólares.

Os nativos sentem que o perigo está muito próximo, pois já viveram uma experiência mal sucedida com asiáticos. A Comunidade Nativa Arazaire manteve um acordo com mineradores coreanos em troca de royalties em 2000. Depois viu que a experiência não trouxe benefícios, e desalojou a empresa Pekosac, com o apoio da Fenamad.

Hoje, o caso é outro: os chineses entraram a convite de duas pessoas que têm suas concessões minerárias sobrepostas ao território indígena, e que são casadas com ex-membros da comunidade. “Não autorizamos a transferência da concessão para terceiros, apenas para que desenvolvam pessoalmente a atividade. Não existe nenhum documento que autorize a entrada deles aqui”, explicou Márcia, a atual presidente de Arazaire.







Situação incontrolável

Com as fotos da draga chinesa, procurei Oscar Guadalupe, sociólogo da Associação Huarayo, para conversar sobre a situação em Madre de Dios. No último dia 5 de fevereiro, foi promulgado o Decreto de Urgência 04-2011, que amplia o prazo de implantação do D.U. 02-2010 por mais 12 meses.“

O decreto de urgência suspendeu temporariamente as solicitações de lavra e nada mais. A atividade foi intensificada pela ação da mineração informal”, explicou Guadalupe, que se impressionou com as imagens e disse que nunca viu uma draga como a dos chineses em Arazaire.

Na Fenamad, a advogada Marleni Canales explicou que inicialmente o movimento indígena de Madre de Dios buscou como estratégia de proteção territorial recomendar ao Estado que as comunidades nativas tenham direitos preferenciais na hora de solicitar concessões de lavra mineral e, assim, impedir que outros o explorem. “No entanto, nos últimos tempos, os conflitos estão aumentando, e as concessões pertencentes aos indígenas estão gradualmente mudando de mãos, e chegando a terceiros”.

Em 12 de fevereiro, uma delegação da Fenamad acompanhou os integrantes da Comunidade Nativa Arazaire até o acampamento dos chineses. Com algumas dificuldades idiomáticas, foi possível dialogar e esclarecer que eles precisam da autorização de 2/3 da comunidade para explorar o ouro. Uma próxima reunião foi agendada. A comunidade comunicará se é contra ou a favor da presença dos garimpeiros estrangeiros. Márcia Tije me explicou por telefone: “Agora vamos nos reunir internamente, pois ainda não temos uma posição clara”.

Operação de guerra

Nesta semana, o Ministro do Meio Ambiente, Antonio Brack, explicou à imprensa peruana que a operação contra as dragas de Madre de Dios, dirigida por ele, em parceria com os ministros de Defesa, Jaime Thorne, e do Interior, Miguel Hidalg, foi executada para zelar pela saúde e o futuro do departamento: “A mineração informal não somente polui a água e o solo com mercúrio, como também gera escravidão e exploração sexual”. Lembrando que os garimpeiros tiveram um ano para ser formalizar, Brack declarou: “agora se fará respeitar a lei”.

O ministro Thorne anunciou que nas próximas três semanas haverá intervenção em 250 embarcações menores utilizadas para a atividade ilegal. Até o fechamento desta matéria, 19 dragas tinham sido destruídas com o apoio das Forças Armadas. Segundo o DICAPI (Dirección General de Capitanias y Guardacostas), a embarcação construída pelos chineses na Comunidade Nativa Arazaire foi aniquilada. Para impedir o retorno dos garimpeiros, um contingente militar vigiará de forma permanente as áreas onde a operação foi realizada.

O atual presidente regional de Madre de Dios, Luis Aguirre Pastor, criticou a ação militar e disse que ela não foi coordenada com o seu escritório. Também alertou para as possíveis revoltas sociais que poderão surgir em resposta à intervenção nos próximos dias. Segundo a Superintendência Nacional de Administração Tributária do Peru, 80 mil pessoas vivem diretamente da mineração informal no país.

Maria Emília Coelho é jornalista paulista que vive em Rio Branco, Acre, e morou quase três anos em Puerto Maldonado, no Peru.

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